Essa escuridão também nos
adverte, até mesmo para nós que somos
muito reverentes. Essa
escuridão nos diz que a Paixão é um grande
mistério, que não podemos
escrudrinhar. Eu trato de explicá-lo
como substituição, e penso
que ai onde a linguagem da Escritura é
explicita, eu posso e devo
ser explicito também. Porem, ainda penso
que a ideia de substituição
não abrange completamente o tema, e
que nenhuma concepção humana
pode captar de maneira plena
todo esse terrível mistério.
Foi efetivado na escuridão,
porque o significado pleno de vastos
alcances e o resultado do
mesmo não podem ser contemplados pela
mente finita. Podem me dizer
que a morte do Senhor Jesus foi um
grande exemplo de
auto-negação: eu posso ver isso e muito mais.
Podem falar-me que foi uma
obediência maravilhosa à vontade de
Deus: eu posso ver isso e
muito mais. Podem-me dizer que consistiu
em carregar aquilo que devia
ser levado por milhares de milhares de
pecadores da raça humana,
como castigo por seus pecados: posso
ver isso, e encontrei minha
melhor esperança nisso.
Porem, não me digam que isso
é tudo o que está na cruz.
Não, mesmo grandioso como isso pode ser, há
muito mais na morte de nosso Redentor.
Só Deus conhece o amor de
Deus: só Cristo conhece tudo o que
logrou quando inclinou Sua
cabeça e entregou Seu espírito. Existem mistérios comuns na natureza
nos que seria uma irreverência querer se intrometer; porem, esse é
um mistério divino, diante do qual tiramos nossos sapatos, pois
o lugar chamado Calvário, terra santa é. Deus colocou um véu na
cruz, cobrindo-a de trevas, e muito de seu significado mais profundo
permanece na escuridão; não porque
Deus não queira revelá-lo,
mas sim porque não temos a suficiente
capacidade para discernir
tudo. Deus se manifestou na carne, e
nesse corpo humano quitou o
pecado por meio do auto-sacrifício:
todos nós sabemos isso; porem
“Indiscutivelmente, grande é o mistério da piedade.”
Novamente, esse véu de
escuridão também figura para mim a
maneira como que os poderes
das trevas sempre se esforçam por esconder a cruz de Cristo. Combatemos contra
as trevas quanto tratamos de pregar a cruz. “Esta é a vossa hora e o poder das
trevas.” (Lucas 22:53),
disse Cristo; e não duvido
que a nessa hora, hostes infernais
desferiram um feroz assalto
contra o espírito de nosso Senhor.
Também sabemos que, se o
príncipe das trevas vai estar em algum
lugar lutando, certamente
será onde Cristo é posto mais alto.
Encobrir a cruz é o objetivo
do inimigo das almas.
Alguma vez você se deu conta
disso?
Essas pessoas que odeiam o
Evangelho deixarão correr qualquer
outra doutrina sem apresentar
combate; mas, se a expiação e as
verdades que derivam dela são
pregadas, de imediato elas são
abaladas. Nada provoca tanto
ao diabo como a cruz. A teologia
moderna possui como seu
principal objetivo o obscurecimento da
doutrina da expiação. Esses
modernos polvos tingem de negro a
água da vida. Fazem do pecado
algo sem importância, e seu castigo
só um assunto temporal: e
assim degradam o remédio ao retirar a
importância da enfermidade.
Não somos ignorantes de seus
truques. Espero, meus irmãos, que as
nuvens da escuridão se
reunirão em redor da cruz bem no seu
centro, para conseguir assim
ocultá-la da vista do pecador. Porem,
também podem esperar isso,
que ali as trevas chegarão a seu fim. A
luz surge da escuridão: a
eterna luz do Filho de Deus que não
morre, que tendo ressuscitado
dos mortos, vive para sempre para
dispersar as trevas do mal.
III. Agora passaremos a falar
dessas trevas como
UM SÍMBOLO QUE INSTRUE.
O véu cobre e oculta; porem,
por sua vez, como um emblema,
também revela. Parece dizer:
“não trate de buscar dentro, mas aprenda
do véu mesmo: tem trabalho de
querubim sobre ele.” Essa escuridão nos ensina o que Jesus sofreu: ajuda-nos a
adivinhar as aflições que
talvez não possamos ver de
outra forma.
A escuridão simboliza a ira
de Deus que caiu sobre os que tiraram a
vida de Seu Filho unigênito.
Deus estava irado e Sua carranca
eliminou a luz do dia. Ele
estava justamente enojado, quando o
pecado estava matando Seu
unigênito Filho; quando os lavradores
judeus diziam: “Esse é o
herdeiro; vinde, matemos-lhe e nos apossamos de sua herança.” Essa é a ira de
Deus para toda a humanidade, pois
praticamente todos os homens
participaram na morte de Jesus. Essa
ira levou os homens às
trevas; são ignorantes, cegos, aturdidos.
Chegaram a amar as trevas
mais que a luz porque suas obras são
más. Nessas trevas eles não
se arrependem, mas sim seguem
rejeitando ao Cristo de Deus.
Em meio dessas trevas Deus não os
pode olhar com complacência os vê como filhos das trevas, e
herdeiros da ira, para os
quais está reservada a escuridão eterna.
O símbolo também nos fala do
que nosso Senhor Jesus teve que suportar.
As trevas exteriores eram uma
figura da escuridão que tinha dentro
Dele. No Getsemani, uma densa
escuridão caiu sobre o espírito de
nosso Senhor, ele disse:
“Minha alma está muito triste, até a morte.”
Sua alegria era a comunhão
com Deus: esse gozo o tinha
abandonado, e Ele estava no
escuro. Seu dia era a luz da face de Seu Pai: esse rosto estava
escondido e uma noite terrível havia
depositado-se a seu redor.
Meus irmãos, eu pecaria
contra esse véu se pretendera que eu lhes pudesse dizer em que consistia essa tristeza
que oprimia a alma do Salvador: nada mais posso compartilhar com vocês do que
me foi dado na medida em que tive comunhão com Ele em Seus sofrimentos.
Você sentiu alguma vez um
horror profundo e pesado para com o
pecado; o pecado próprio e o
pecado dos demais?
Alguma vez já viram o pecado à luz do amor de
Deus?
Alguma vez o pecado pairou
sobre sua consciência sensível?
Deslizou-se internamente em vocês um sentindo
de ira como a escuridão da meia-noite; e esteve muito próximo de vocês, ao
redor de vocês, sobre vocês e dentro de vocês?
Vocês se sentiram presos em
sua debilidade, e por sua vez
perceberam que a porta até
Deus está fechada?
Olharam a sua volta sem
encontrar ajuda, sem consolo ainda mesmo em deus: sem esperança, sem paz?
Em tudo isso, vocês deram um
pequeno gole desse mar salgado no que nosso Senhor foi lançado.
Sim, como Abraão, vocês
sentiram o temor de uma grande
escuridão que cai sobre
vocês, então lhes foi dado provar algo do
que seu divino Senhor sofreu,
quando o Pai quis quebrantá-lo,
sujeitando-o a padecimento.
Isso é o que levou a suar grossas gotas
de sangue que caíram no chão;
e isso foi o que levou Cristo a clamar na cruz com um grito
aterrador:
“Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste?”
Não foi a coroa de espinhas,
nem o látego, nem a cruz que o motivaram a clamar, mas sim a escuridão, a
terrível escuridão do abandono que oprimia Sua mente e o fazia sentir um completo
atordoamento.
Foi-lhe retirado tudo o que
podia o consolar, e tudo o que podia o
angustiar foi acumulado sobre
Ele. “O espírito do homem susterá a sua enfermidade, mas ao espírito
abatido, quem o suportará?
(Provérbios 18:14)?”
O Espírito de nosso Salvador
estava ferido, e ele clamou:
“meu coração é como cera,
derreteu-se no meio das minhas entranhas.
(Salmos 22:14)”
Ele foi privado de todo consolo natural e
espiritual, e
Sua angustia foi completa e
total. As trevas do Calvário não
permitiram o brilho das
estrelas, como noutra noite qualquer, mas
escureceram cada uma das
luminárias do céu. Seu forte clamor e
Suas lágrimas evidenciaram a
profunda aflição de Sua alma. Se ele
carregou com tudo, foi
possível porque Sua mente foi capaz de
sobrecarregar tudo, ainda
que, certamente, foi vigorizada e
engrandecida pela união com a
Deidade. Ele suportou o equivalente
ao inferno; mais ainda, não
somente isso, mas suportou o
equivalente a dez mil
infernos no que concerne a restituição da Lei.
Nosso Senhor rendeu em Sua
agonia de morte uma homenagem à
justiça muito maior do que se
um mundo houvera sido condenado à
destruição.
Tendo dito isso, que mais
posso falar?
TEM CONTINUAÇÃO.
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